quinta-feira, 12 de novembro de 2009

“Tchuco gostoso”

Michele Vasconcelos

Eles dançavam alegremente ao som do “pagodão” sem se importar nem um pouco com as grades que os separavam dos convidados da festa. Estes, por sua vez, riam e se divertiam vendo-os dançar daquela forma. Era uma cena trágica se não fosse cômica...

Não posso dizer que fiquei chocada, pois estaria mentindo, na verdade eu estou muito acostumada a ver o contraste entre esses dois mundos e acredito que os convidados daquela festa também. Digo isso porque o que me chamou mais atenção foi como eles riram ao ver os meninos de rua todos maltrapilhos dançando o “tchuco gostoso” como se fosse a coisa mais maravilhosa do mundo. Mas como minha mãe sempre me dizia que alegria de pobre dura pouco, o sinal de trânsito onde eles estavam  fechou e logo eles voltaram aos seus postos para pedir dinheiro e lavar o para-brisa do carro de alguém que deixasse e lhes dessem umas moedinhas. Com isso cada um seguiu seu caminho... Eu atravessei a rua e fui para casa, os convidados curtiram a festa e os meninos de rua foram em busca do pão de cada dia.

Vendo toda aquela situação, foi inevitável pensar; será que aquelas crianças vivem em uma miséria tão absoluta que um momento como aquele se torna a grande alegria de suas vidas? Será que já estamos tão acostumados com a situação da pobreza quem nem nos importamos com a vida delas? Ou será que nos acostumamos a simplesmente fingir que o problema não é nosso?

Seguimos a vida com a consciência tranquila de quem paga os seus impostos e não tem culpa se as autoridades não resolvem o problema dessas pessoas. Penso que a maioria de nós ficaria muito satisfeita de apenas não vê-los, se a prefeitura os tirasse das ruas e colocasse em abrigos, se não precisássemos conviver com eles já resolveria o nosso problema, mas qual é o nosso problema?

Recentemente vi uma reportagem numa revista sobre testes feitos com bebês de apenas cinco meses que comprovam que já nessa idade eles têm noções de certo e errado, e que não gostam de brinquedos que fazem mal aos outros.

Diante disso, é fácil saber qual é o nosso problema. Não queremos ver aquelas crianças na rua porque sabemos que elas são o resultado da sociedade injusta que ajudamos a construir, entretanto não fazemos nada para mudar, porque é muito mais cômodo colocar a culpa nos órgãos públicos e nos isentar da responsabilidade.

Mas até quando isso vai durar? Por quanto tempo conseguiremos viver ignorando a miséria que todos os dias bate a nossa porta ou tenta limpar o vidro dos nossos carros?

0 comentários: